segunda-feira, 10 de setembro de 2012

HASTE INTRAMEDULAR BLOQUEADA – INTERLOCKING NAIL


Um cão da raça dachshund, 3 anos de idade, macho, com 9 kg de massa corpórea, foi levado pelo proprietário à “Clínica Veterinária Bichos & Caprichos” após ter sido atropelado por veículo automotivo.
Ao exame físico, o animal apresentava parâmetros normais de freqüência cardíaca e respiratória, mucosas rosadas, TPC de 2 segundos, estado de alerta e sinais evidentes de dor no membro pélvico esquerdo.
À palpação, foram constatados aumento de volume, crepitação e dor em região de diáfise femoral esquerda. Após este primeiro atendimento clínico, foram realizadas duas projeções radiograficas do fêmur esquerdo, uma médio-lateral e outra ventro-dorsal. Foi constatado por meio destas, que o animal apresentava fratura diafisária cominutiva femoral esquerda.
O cirurgião optou pelo tratamento cirúrgico, com o uso de Haste Intramedular Bloqueada, devido ao local e tipo de fratura.
No dia seguinte, o animal foi encaminhado para cirurgia depois de ter realizado jejum hídrico e alimentar. Após ter sido realizada MPA com 0,1 mg/kg de acepromazina e 0,3 mg/kg de morfina, o animal teve toda a área da região femoral tricotomizada de maneira a contemplar o campo cirúrgico necessário à abordagem da diáfise femoral e região da fossa intertrocantérica esquerda.
Com o animal já sedado, foi realizado acesso venoso na veia cefálica esquerda, com a fixação de cateter nº22, em seguida o animal foi induzido com 5 mg/kg de propofol e mantido sob anestesia inalatória com isoflurano vaporizado em oxigênio à 100%.
Após a realização dos procedimentos de antissepsia com povidine-degermante seguido de álcool iodado no local da incisão, os panos de campo foram colocados sobre o animal.
Incisão cutânea foi realizada dorsal ao trocânter maior e a musculatura rebatida a fim de expor a fossa intertrocantérica, local onde foi introduzida a haste intramedular.
A diáfise femoral foi acessada por incisão cutânea ao longo da mesma e que serviu para a colocação e fixação dos parafusos bloqueadores.
Neste animal, foi possível a colocação de quatro parafusos, dois distais e dois proximais à fratura, nas metáfises femorais.
Após a preparação do canal medular e introdução da haste intramedular com o auxílio do extensor, o guia externo para perfuração foi acoplado à haste intramedular e foi realizada a perfuração para o primeiro parafuso proximal. Em seguida, o orifício foi macheado e o parafuso fixado. O mesmo se procedeu com as perfurações e fixação dos parafusos subseqüentes, nesta ordem: parafuso mais distal, parafuso entre o mais proximal e o foco de fratura, parafuso entre o mais distal e o foco de fratura.
Com o primeiro parafuso já fixado no segmento proximal, o segundo a ser fixado é sempre o mais distal. Isto garante o alinhamento ósseo e evita que as perfurações sejam feitas em desalinhamento com os orifícios na haste, o que enfraqueceria a estrutura óssea.
Com a haste intramedular já bloqueada com os quatro parafusos e verificado o alinhamento do membro, as musculaturas antes rebatidas e afastadas foram aproximadas por meio de sutura padrão simples contínuo, utilizando-se fio de sutura sintético absorvível Vicryl 3-0. Em seguida, o espaço morto anatômico foi reduzido com o fio de sutura e padrão supracitados. A pele foi suturada com mononáilon nº2-0 e padrão simples isolado.
Foram prescritos por via oral 30 mg/kg BID de cefalexina por dez dias como profilaxia antibiótica e por via intramuscular foram prescritos 2 mg/kg TID de Tramadol por 5 dias para analgesia. Não foi prescrito anti-inflamatório.
O animal retornou com 7 dias de pós-cirúrgico para avaliação. Na ocasião, o animal já fazia uso, entretanto restrito, do membro operado, não apresentava sinais evidentes de dor no membro, nem atrofia muscular significativa.

Revisão Bibliográfica


Em relação às novas metodologias, surge, derivado de análogo utilizado em medicina humana, novo conceito de tratamento de fraturas cominutivas de úmero, fêmur e tíbia, a técnica de “Interlocking nail” (IN). O termo, mundialmente conhecido e aceito, encontra na literatura nacional nomenclatura de Haste Bloqueada, embora nenhuma oposição seja feita à utilização da forma original (SCHMAEDECKE, 2007).
A técnica do pino intramedular bloqueado desenvolveu-se como modificação da técnica de pinos metálicos tubulares de Küntscher, e agora é comumente utilizada para a estabilização de fraturas diafisárias de fêmur e tíbia humanos (SLATTER, 2007).
Fraturas de ossos longos são, sem dúvida, um dos principais pontos de tratamento ortopédico na medicina veterinária. Destas, as fraturas de fêmur são responsáveis por aproximadamente 20 a 25% do total de casos apresentados por cães e gatos (LARIN et al., 2001).
As indicações para a utilização da fixação de pinos intramedulares bloqueados em cães e gatos são fraturas diafisárias fechadas e abertas (grau 1 e grau 2) de fêmur, tíbia e úmero. A maior parte das configurações das fraturas, variando de simples a multifragmentar, são passíveis de estabilização por meio de pinos intramedulares bloqueados. Esse dispositivo também é utilizado para a estabilização de osteotomias corretivas, aloenxertos corticais intercalares e revisão de fixações fracassadas (MUIR, 1993; HAY, 1995; MUIR, 1996; HANSON, 1997).
Este sistema foi adaptado à necessidade da medicina veterinária por Dueland, em 1989, e comercializado pela Innovative Animal Products®, desde 1994. O sistema veterinário utiliza guia externo acoplado à extremidade proximal da haste intramedular para localização exata dos locais de inserção dos parafusos, permitindo sua aplicação sem a utilização de fluoroscópios (MCLAUGHLIN, 1999).
Cinco gerações de IN já foram desenvolvidas, sendo que a última consiste em hastes de 4.0, 4.7, 6.0, 8.0, 10 e 13 mm de diâmetro, com diferentes comprimentos (variando de 60 a 235 mm), apresentando 2 orifícios proximais e 2 distais para bloqueio com parafusos de 2.0, 2.7, 3.5 ou 4.5 mm, dependendo do seu diâmetro. Estes orifícios estão localizados a uma distância fixa de 11 ou 22 mm entre si (Figura 10) (SCHMAEDECKE, 2007).
Slatter (2007) sugere que os parafusos sejam colocados distantes da fratura mais do que um ou dois diâmetros da fratura. A inserção de dois parafusos bloqueadores em cada fragmento oferece resistência consideravelmente maior à falha, do que a inserção de um único parafuso em cada extremidade(BRUMBACK, 1999).
Nas fraturas próximas à região metafisária, pode ser possível inserir apenas um parafuso bloqueador. Nesses casos, nunca se deixa um orifício vazio na haste entre um único parafuso e o foco de fratura, devido ao risco de quebra da haste (SLATTER, 2007).
Com um único parafuso bloqueador, há uma complicação potencial adicional do fragmento em rotacionar ao redor do eixo do parafuso. Esse é o efeito “limpador de pára-brisa”, que é reduzido se a haste preencher completamente o canal medular (SLATTER, 2007).
A redução de fratura aberta é realizada de acordo com a abordagem cirúrgica-padrão. Todo cuidado deve ser tomado para preservar os ligamentos dos tecidos moles ao osso e não manipular o hematoma no local da fratura sem que seja necessário. Todos os fragmentos ósseos são deixados no lugar sem manipulação. Apenas afastamento muscular limitado é necessário para inserção dos parafusos (SLATTER, 2007).
Em fraturas diafisárias femorais, para o acesso dorsal, aborda-se a região do trocânter maior e faz-se a exposição da fossa intertrocantérica. Realiza-se acesso lateral e divulsão do músculo bíceps femoral rebatendo-o caudalmente e músculo vasto lateral e fáscia lata cranialmente, expondo assim a região da fratura para redução. O canal medular é previamente fresado, para que nenhuma força adicional seja necessária durante a introdução da haste. Para inserção da haste, podem ser adotadas as vias normógrada ou retrógrada e podem ser realizados bloqueios com três ou quatro parafusos. Em relação aos bloqueios, utilizam-se as marcações específicas do guia externo, para o tamanho do pino escolhido (Figura 11). O orifício é realizado através das duas corticais, com a broca alcançando a cortical distal por transposição do orifício existente na haste. As duas corticais são então macheadas, e o parafuso fixado, bloqueando-se, assim, a haste intramedular (ROMANO et al., 2008).
 
Figura 10 - Exemplo de Pinos Intramedulares Bloqueados de diferentes tamanhos e ambos com quatro orifícios para bloqueio com parafuso.


Fonte: Slatter, 2007, p.1807.


Figura 11 - Esquema ilustrativo da preparação dos orifícios para os parafusos bloqueadores. O guia externo dispensa a utilização de fluoroscópio para realização das prefurações e inserção dos parafusos bloqueadores.

Fonte: Fossum, 2008, p.987.

Concorda-se com a idéia de que a interface parafuso-pino é extremamente rígida, entretanto permite micromovimentos que estimulam formação de calo ósseo, e isto foi observado experimentalmente pela formação de calo ósseo secundário nos casos estudados por Duhautois (2003).
O uso de hastes bloqueadas, além de prevenir os movimentos responsáveis pelo desencadeamento do processo de não-união óssea é biomecanicamente vantajoso em relação à outras técnicas de imobilização, por atuar ao longo do eixo mecânico central do osso (Figura 12) (MOSES et al., 2002), além de permitir a preservação dos padrões biológicos de osteossíntese (DUHAUTOIS, 2003).


Figura 12 - Ilustração de fratura femoral diafisária em cão com Haste Intramedular Bloqueada com 4 parafusos.

Fonte: Fossum, 2008, p.986.


A escolha correta dos implantes se dá pela relação entre o menor diâmetro no espaço intramedular e o comprimento do osso, sendo definido pelo uso de um filme de transparência, impresso com a forma da haste além da discrepância de aumento que se dá no filme radiográfico. Após alocar o filme sobre a radiografia do membro contralateral íntegro, define-se o tamanho ideal do pino (SCHMAEDECKE, 2007).
Romano et al. (2008), afirma que a indicação da técnica depende das condições ósseas locais, tais como presença de fratura simples, multifragmentada ou cominutiva em diáfise, viabilidade dos fragmentos distal e proximal passíveis da inserção dos parafusos para bloqueio transcortical, possíveis fissuras nestes fragmentos e integridade das articulações adjacentes. Romano et al. (2008), relatou ainda, que as hastes bloqueadas podem ser usadas com sucesso em fraturas que apresentem lesões complexas, devido a menor injuria iatrogênica à vascularização óssea, o mesmo foi relatado por Horstman et al. (2004).
Em medicina veterinária, instituiu-se técnica que consiste em mínimas incisões, com o menor contato possível com os tecidos moles adjacentes ao foco de fratura e que preserva o potencial osteogênico do hematoma provocado pela fratura (MCLAUGHLIN, 1999; PALMER, 1999; BERNARDÉ et al., 2002; HORSTMAN et al., 2004), a vascularização, reduz o tempo cirúrgico e minimiza a possibilidade de infecção pós-operatória (MCCLURE et al., 1998; LOPEZ et al., 2001; HORSTMAN et al., 2004).
Os objetivos do tratamento com hastes bloqueadas foram eliminar a dor, estabilizar o foco da fratura, evitar atrofia dos grupos musculares envolvidos, permitindo desta forma, o adequado apoio precoce do membro durante a marcha (MCCLURE et al., 1998; PALMER, 1999; LARIN, 2001; LOPEZ et al., 2001; DUHAUTOIS, 2003; HORSTMAN et al., 2004). Os objetivos citados acima foram alcançados no animal deste relato.
Os animais são restringidos às atividades e as incisões são monitoradas bem como para outros métodos de redução aberta e fixação interna de fraturas (SLATTER, 2007). A reabilitação física estimula o uso controlado do membro e otimiza sua função após a cicatrização da fratura (FOSSUM, 2008). As radiografias pós-operatórias são realizadas para avaliar a redução da fratura e o posicionamento do implante. As radiografias subseqüentes são realizadas a cada 4 a 6 semanas para monitorar a união até a consolidação da fratura. Os implantes não são removidos a menos que provoquem complicação (SLATTER, 2007).
Os pinos de haste bloqueada podem ser implantados através de acessos cirúrgicos menores quando comparado a outros métodos de tratamento como placas ósseas (MCCLURE et al., 1998; PALMER, 1999), minimizando a manipulação e incisão de tecidos moles adjacentes, implicando assim na manutenção da integridade biológica do foco da fratura (ROMANO et al., 2008)
Os tipos de falha observados in vitro e in vivo são atribuídos à deformação do parafuso ou fratura óssea (DUELAND, 1996), eventos não ocorridos no animal do presente relato talvez por se tratar de animal de pequeno porte. Slatter (2007), relata que estes tipos de falha têm especial importância em cães de raças grandes.
Tal técnica se mostra clinicamente efetiva, pois respeita os padrões biológicos de tratamento de fraturas (WOO et al., 1984; PERREN, 1991; ARON et al., 1995; BERARDÉ et al., 2002) e ainda assim confere estabilidade ao osso, permitiu reabilitação adequada com baixos índices de complicações, propiciando as condições necessárias para a consolidação óssea (ROMANO et al., 2008).
O uso desta modalidade tem sido mais efetivo na reparação de fraturas diafisárias altamente cominutivas, em relação às demais técnicas propostas. A neutralidade da colocação da haste, tanto quanto sua geometria, promovem a rigidez necessária ao bloqueio das forças, diminuindo a fadiga provocada pelas mesmas sobre o material (RADCLIFFE et al., 2001; WIDJAJA e HARTUNG, 2001).
A utilização de placas parafusadas em fraturas cominutivas causa aumento da fadiga no implante por sua alocação em posição excêntrica, tornando maiores as forças de encurvamento e deslocamento lateral. Além disso, as hastes de IN podem ser implantadas através de acessos cirúrgicos menores que as placas, minimizando assim a manipulação e incisão de tecidos moles adjacentes, implicando na manutenção da integridade biológica do foco da fratura (SCHMAEDECKE et al., 2005).
Em relação ao uso de fixadores externos, o uso de hastes de IN apresenta vantagens ainda maiores, pois não necessita de manejo ambulatorial freqüente. Se comparado ao uso de pino intramedular e cerclagem associados, a técnica de IN apresenta resultados consideravelmente melhores, uma vez que é freqüente a perda da cerclagem por quebra do fio além da pouca estabilidade rotacional promovida por esta associação ( DUELAND et al., 1999; FERRIGNO e PEDRO, 2006).

Discussão



A fratura foi tratada com técnica indicada por Muir (1993), Hay (1995), Muir (1996) e Hanson (1997), por ser fratura femural cominutiva.
Foram colocados dois parafusos bloqueadores em cada segmento, proximal e distal, e distantes mais do que dois diâmetros da fratura, de acordo com Slatter (2007) e Brumback (1999).
No animal relatado neste trabalho, a redução foi realizada de maneira aberta, com abordagem à fossa trocantérica relatada por Fossum (2008). Tomou-se como base a linha de pensamento do “abra, mas não toque”, na qual o cirurgião faz mínima ou nenhuma manipulação do foco de fratura a fim de preservar o padrão biológico da mesma, de acordo com McLaughlin (1999), Palmer (1999), Bernardé et. al. (2002) e Horstman et. al. (2004), tanto para a introdução da haste quanto para a introdução dos parafusos bloqueadores.
A manutenção da integridade biológica do foco da fratura pela mínima manipulação foi conseguida com o uso da Haste Intramedular Bloqueada neste animal, confirmando o relato de Schmaedecke et. al. (2005).
À deformação do parafuso ou fratura óssea relatada por Dueland (1996), não ocorreram no animal do presente relato talvez por se tratar de animal de pequeno porte. Slatter (2007), relata que estes tipos de falha têm especial importância em cães de raças grandes.
Os objetivos do tratamento com Haste Intramedular Bloqueada, relatados por McCclure et. al. (1998), Palmer (1999), Larin (2001), Lopez et. al. (2001), Duhautois (2003) e Horstman et. al. (2004), de eliminar a dor, estabilizar o foco de fratura, evitar atrofia significativa dos grupos musculares e prover retorno precoce da função foram alcançados no animal do presente relato.
Apesar de Fossum (2008) relatar que a reabilitação física estimula o uso controlado do membro e otimiza sua função após a cicatrização da fratura e o cirurgião ter recomendado a mesma, o animal não realizou nenhum tipo de reabilitação física, entretanto apresentou bom retorno da função aos sete dias de pós-operatório.

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