Um cão da raça dachshund, 3 anos
de idade, macho, com 9 kg
de massa corpórea, foi levado pelo proprietário à “Clínica Veterinária Bichos &
Caprichos” após ter sido atropelado por veículo automotivo.
Ao exame físico, o animal
apresentava parâmetros normais de freqüência cardíaca e respiratória, mucosas
rosadas, TPC de 2 segundos, estado de alerta e sinais evidentes de dor no
membro pélvico esquerdo.
À palpação, foram constatados
aumento de volume, crepitação e dor em região de diáfise femoral esquerda. Após
este primeiro atendimento clínico, foram realizadas duas projeções radiograficas
do fêmur esquerdo, uma médio-lateral e outra ventro-dorsal. Foi constatado por
meio destas, que o animal apresentava fratura diafisária cominutiva femoral
esquerda.
O cirurgião optou pelo
tratamento cirúrgico, com o uso de Haste Intramedular Bloqueada, devido ao
local e tipo de fratura.
No dia seguinte, o animal foi
encaminhado para cirurgia depois de ter realizado jejum hídrico e alimentar.
Após ter sido realizada MPA com 0,1 mg/kg de acepromazina e 0,3 mg/kg de
morfina, o animal teve toda a área da região femoral tricotomizada de maneira a
contemplar o campo cirúrgico necessário à abordagem da diáfise femoral e região
da fossa intertrocantérica esquerda.
Com o animal já sedado, foi
realizado acesso venoso na veia cefálica esquerda, com a fixação de cateter
nº22, em seguida o animal foi induzido com 5 mg/kg de propofol e mantido sob
anestesia inalatória com isoflurano vaporizado em oxigênio à 100%.
Após a realização dos
procedimentos de antissepsia com povidine-degermante seguido de álcool iodado
no local da incisão, os panos de campo foram colocados sobre o animal.
Incisão cutânea foi realizada
dorsal ao trocânter maior e a musculatura rebatida a fim de expor a fossa
intertrocantérica, local onde foi introduzida a haste intramedular.
A diáfise femoral foi acessada
por incisão cutânea ao longo da mesma e que serviu para a colocação e fixação
dos parafusos bloqueadores.
Neste animal, foi possível a
colocação de quatro parafusos, dois distais e dois proximais à fratura, nas
metáfises femorais.
Após a preparação do canal
medular e introdução da haste intramedular com o auxílio do extensor, o guia
externo para perfuração foi acoplado à haste intramedular e foi realizada a
perfuração para o primeiro parafuso proximal. Em seguida, o orifício foi macheado
e o parafuso fixado. O mesmo se procedeu com as perfurações e fixação dos
parafusos subseqüentes, nesta ordem: parafuso mais distal, parafuso entre o
mais proximal e o foco de fratura, parafuso entre o mais distal e o foco de
fratura.
Com o primeiro parafuso já
fixado no segmento proximal, o segundo a ser fixado é sempre o mais distal.
Isto garante o alinhamento ósseo e evita que as perfurações sejam feitas em
desalinhamento com os orifícios na haste, o que enfraqueceria a estrutura
óssea.
Com a haste intramedular já
bloqueada com os quatro parafusos e verificado o alinhamento do membro, as
musculaturas antes rebatidas e afastadas foram aproximadas por meio de sutura
padrão simples contínuo, utilizando-se fio de sutura sintético absorvível Vicryl
3-0. Em seguida, o espaço morto anatômico foi reduzido com o fio de sutura e padrão
supracitados. A pele foi suturada com mononáilon nº2-0 e padrão simples
isolado.
Foram prescritos por via oral 30
mg/kg BID de cefalexina por dez dias como profilaxia antibiótica e por via
intramuscular foram prescritos 2 mg/kg TID de Tramadol por 5 dias para
analgesia. Não foi prescrito anti-inflamatório.
O animal retornou com 7 dias de
pós-cirúrgico para avaliação. Na ocasião, o animal já fazia uso, entretanto
restrito, do membro operado, não apresentava sinais evidentes de dor no membro,
nem atrofia muscular significativa.
Revisão Bibliográfica
Em relação às novas
metodologias, surge, derivado de análogo utilizado em medicina humana, novo
conceito de tratamento de fraturas cominutivas de úmero, fêmur e tíbia, a
técnica de “Interlocking nail” (IN). O termo, mundialmente conhecido e aceito,
encontra na literatura nacional nomenclatura de Haste Bloqueada, embora nenhuma
oposição seja feita à utilização da forma original (SCHMAEDECKE, 2007).
A técnica do pino intramedular
bloqueado desenvolveu-se como modificação da técnica de pinos metálicos
tubulares de Küntscher, e agora é comumente utilizada para a estabilização de
fraturas diafisárias de fêmur e tíbia humanos (SLATTER, 2007).
Fraturas de ossos longos são,
sem dúvida, um dos principais pontos de tratamento ortopédico na medicina
veterinária. Destas, as fraturas de fêmur são responsáveis por aproximadamente 20 a 25% do total de casos
apresentados por cães e gatos (LARIN et al., 2001).
As indicações para a utilização
da fixação de pinos intramedulares bloqueados em cães e gatos são fraturas
diafisárias fechadas e abertas (grau 1 e grau 2) de fêmur, tíbia e úmero. A
maior parte das configurações das fraturas, variando de simples a
multifragmentar, são passíveis de estabilização por meio de pinos intramedulares
bloqueados. Esse dispositivo também é utilizado para a estabilização de
osteotomias corretivas, aloenxertos corticais intercalares e revisão de
fixações fracassadas (MUIR, 1993; HAY, 1995; MUIR, 1996; HANSON, 1997).
Este sistema foi adaptado à
necessidade da medicina veterinária por Dueland, em 1989, e comercializado pela
Innovative Animal Products®, desde 1994. O sistema veterinário utiliza guia
externo acoplado à extremidade proximal da haste intramedular para localização
exata dos locais de inserção dos parafusos, permitindo sua aplicação sem a
utilização de fluoroscópios (MCLAUGHLIN, 1999).
Cinco gerações de IN já foram
desenvolvidas, sendo que a última consiste em hastes de 4.0, 4.7, 6.0, 8.0, 10
e 13 mm
de diâmetro, com diferentes comprimentos (variando de 60 a 235 mm ), apresentando 2
orifícios proximais e 2 distais para bloqueio com parafusos de 2.0, 2.7, 3.5 ou
4.5 mm ,
dependendo do seu diâmetro. Estes orifícios estão localizados a uma distância
fixa de 11 ou 22 mm
entre si (Figura 10) (SCHMAEDECKE, 2007).
Slatter (2007) sugere que os
parafusos sejam colocados distantes da fratura mais do que um ou dois diâmetros
da fratura. A inserção de dois parafusos bloqueadores em cada fragmento oferece
resistência consideravelmente maior à falha, do que a inserção de um único
parafuso em cada extremidade(BRUMBACK, 1999).
Nas fraturas próximas à região
metafisária, pode ser possível inserir apenas um parafuso bloqueador. Nesses
casos, nunca se deixa um orifício vazio na haste entre um único parafuso e o
foco de fratura, devido ao risco de quebra da haste (SLATTER, 2007).
Com um único parafuso
bloqueador, há uma complicação potencial adicional do fragmento em rotacionar
ao redor do eixo do parafuso. Esse é o efeito “limpador de pára-brisa”, que é
reduzido se a haste preencher completamente o canal medular (SLATTER, 2007).
A redução de fratura aberta é
realizada de acordo com a abordagem cirúrgica-padrão. Todo cuidado deve ser
tomado para preservar os ligamentos dos tecidos moles ao osso e não manipular o
hematoma no local da fratura sem que seja necessário. Todos os fragmentos
ósseos são deixados no lugar sem manipulação. Apenas afastamento muscular
limitado é necessário para inserção dos parafusos (SLATTER, 2007).
Em fraturas diafisárias femorais, para o acesso dorsal, aborda-se a
região do trocânter maior e faz-se a exposição da fossa intertrocantérica.
Realiza-se acesso lateral e divulsão do músculo bíceps femoral rebatendo-o
caudalmente e músculo vasto lateral e fáscia
lata cranialmente, expondo assim a região da fratura para redução. O canal
medular é previamente fresado, para que nenhuma força adicional seja necessária
durante a introdução da haste. Para inserção da haste, podem ser adotadas as
vias normógrada ou retrógrada e podem ser realizados bloqueios com três ou
quatro parafusos. Em relação aos bloqueios, utilizam-se as marcações
específicas do guia externo, para o tamanho do pino escolhido (Figura 11). O
orifício é realizado através das duas corticais, com a broca alcançando a
cortical distal por transposição do orifício existente na haste. As duas
corticais são então macheadas, e o parafuso fixado, bloqueando-se, assim, a
haste intramedular (ROMANO et al., 2008).
Figura 10 - Exemplo de Pinos Intramedulares
Bloqueados de diferentes tamanhos e ambos com quatro orifícios para bloqueio
com parafuso.
Fonte: Slatter, 2007, p.1807.
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Figura 11 - Esquema ilustrativo da preparação dos
orifícios para os parafusos bloqueadores. O guia externo dispensa a
utilização de fluoroscópio para realização das prefurações e inserção dos
parafusos bloqueadores.
Fonte:
Fossum, 2008, p.987.
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Concorda-se com a idéia de que a interface parafuso-pino é extremamente
rígida, entretanto permite micromovimentos que estimulam formação de calo
ósseo, e isto foi observado experimentalmente pela formação de calo ósseo
secundário nos casos estudados por Duhautois (2003).
O uso de hastes bloqueadas, além
de prevenir os movimentos responsáveis pelo desencadeamento do processo de
não-união óssea é biomecanicamente vantajoso em relação à outras técnicas de
imobilização, por atuar ao longo do eixo mecânico central do osso (Figura 12)
(MOSES et al., 2002), além de permitir a preservação dos padrões biológicos de
osteossíntese (DUHAUTOIS, 2003).
Figura 12 - Ilustração de fratura femoral diafisária em cão
com Haste Intramedular Bloqueada com 4 parafusos.
Fonte:
Fossum, 2008, p.986.
A escolha correta dos implantes
se dá pela relação entre o menor diâmetro no espaço intramedular e o
comprimento do osso, sendo definido pelo uso de um filme de transparência,
impresso com a forma da haste além da discrepância de aumento que se dá no
filme radiográfico. Após alocar o filme sobre a radiografia do membro contralateral
íntegro, define-se o tamanho ideal do pino (SCHMAEDECKE, 2007).
Romano et al. (2008), afirma que
a indicação da técnica depende das condições ósseas locais, tais como presença
de fratura simples, multifragmentada ou cominutiva em diáfise, viabilidade dos
fragmentos distal e proximal passíveis da inserção dos parafusos para bloqueio
transcortical, possíveis fissuras nestes fragmentos e integridade das
articulações adjacentes. Romano et al. (2008), relatou ainda, que as hastes
bloqueadas podem ser usadas com sucesso em fraturas que apresentem lesões
complexas, devido a menor injuria iatrogênica à vascularização óssea, o mesmo
foi relatado por Horstman et al. (2004).
Em medicina veterinária,
instituiu-se técnica que consiste em mínimas incisões, com o menor contato
possível com os tecidos moles adjacentes ao foco de fratura e que preserva o
potencial osteogênico do hematoma provocado pela fratura (MCLAUGHLIN, 1999;
PALMER, 1999; BERNARDÉ et al., 2002; HORSTMAN et al., 2004), a vascularização,
reduz o tempo cirúrgico e minimiza a possibilidade de infecção pós-operatória
(MCCLURE et al., 1998; LOPEZ et al., 2001; HORSTMAN et al., 2004).
Os objetivos do tratamento com
hastes bloqueadas foram eliminar a dor, estabilizar o foco da fratura, evitar
atrofia dos grupos musculares envolvidos, permitindo desta forma, o adequado
apoio precoce do membro durante a marcha (MCCLURE et al., 1998; PALMER, 1999;
LARIN, 2001; LOPEZ et al., 2001; DUHAUTOIS, 2003; HORSTMAN et al., 2004). Os
objetivos citados acima foram alcançados no animal deste relato.
Os animais são restringidos às
atividades e as incisões são monitoradas bem como para outros métodos de
redução aberta e fixação interna de fraturas (SLATTER, 2007). A reabilitação
física estimula o uso controlado do membro e otimiza sua função após a
cicatrização da fratura (FOSSUM, 2008). As radiografias pós-operatórias são
realizadas para avaliar a redução da fratura e o posicionamento do implante. As
radiografias subseqüentes são realizadas a cada 4 a 6 semanas para monitorar a
união até a consolidação da fratura. Os implantes não são removidos a menos que
provoquem complicação (SLATTER, 2007).
Os pinos de haste bloqueada
podem ser implantados através de acessos cirúrgicos menores quando comparado a
outros métodos de tratamento como placas ósseas (MCCLURE et al., 1998; PALMER,
1999), minimizando a manipulação e incisão de tecidos moles adjacentes,
implicando assim na manutenção da integridade biológica do foco da fratura
(ROMANO et al., 2008)
Os tipos de falha observados in vitro e in vivo são atribuídos à deformação do parafuso ou fratura óssea
(DUELAND, 1996), eventos não ocorridos no animal do presente relato talvez por
se tratar de animal de pequeno porte. Slatter (2007), relata que estes tipos de
falha têm especial importância em cães de raças grandes.
Tal técnica se mostra
clinicamente efetiva, pois respeita os padrões biológicos de tratamento de
fraturas (WOO et al., 1984; PERREN, 1991; ARON et al., 1995; BERARDÉ et al.,
2002) e ainda assim confere estabilidade ao osso, permitiu reabilitação
adequada com baixos índices de complicações, propiciando as condições
necessárias para a consolidação óssea (ROMANO et al., 2008).
O uso desta modalidade tem sido
mais efetivo na reparação de fraturas diafisárias altamente cominutivas, em relação
às demais técnicas propostas. A neutralidade da colocação da haste, tanto
quanto sua geometria, promovem a rigidez necessária ao bloqueio das forças,
diminuindo a fadiga provocada pelas mesmas sobre o material (RADCLIFFE et al.,
2001; WIDJAJA e HARTUNG, 2001).
A utilização de placas
parafusadas em fraturas cominutivas causa aumento da fadiga no implante por sua
alocação em posição excêntrica, tornando maiores as forças de encurvamento e
deslocamento lateral. Além disso, as hastes de IN podem ser implantadas através
de acessos cirúrgicos menores que as placas, minimizando assim a manipulação e
incisão de tecidos moles adjacentes, implicando na manutenção da integridade
biológica do foco da fratura (SCHMAEDECKE et al., 2005).
Em relação ao uso de fixadores
externos, o uso de hastes de IN apresenta vantagens ainda maiores, pois não
necessita de manejo ambulatorial freqüente. Se comparado ao uso de pino
intramedular e cerclagem associados, a técnica de IN apresenta resultados
consideravelmente melhores, uma vez que é freqüente a perda da cerclagem por
quebra do fio além da pouca estabilidade rotacional promovida por esta
associação ( DUELAND et al., 1999; FERRIGNO e PEDRO, 2006).
Discussão
A fratura foi tratada com
técnica indicada por Muir (1993), Hay (1995), Muir (1996) e Hanson (1997), por
ser fratura femural cominutiva.
Foram colocados dois parafusos
bloqueadores em cada segmento, proximal e distal, e distantes mais do que dois
diâmetros da fratura, de acordo com Slatter (2007) e Brumback (1999).
No animal relatado neste
trabalho, a redução foi realizada de maneira aberta, com abordagem à fossa
trocantérica relatada por Fossum (2008). Tomou-se como base a linha de
pensamento do “abra, mas não toque”, na qual o cirurgião faz mínima ou nenhuma
manipulação do foco de fratura a fim de preservar o padrão biológico da mesma,
de acordo com McLaughlin (1999), Palmer (1999), Bernardé et. al. (2002) e
Horstman et. al. (2004), tanto para a introdução da haste quanto para a introdução
dos parafusos bloqueadores.
A manutenção da integridade
biológica do foco da fratura pela mínima manipulação foi conseguida com o uso
da Haste Intramedular Bloqueada neste animal, confirmando o relato de Schmaedecke
et. al. (2005).
À deformação do parafuso ou
fratura óssea relatada por Dueland (1996), não ocorreram no animal do presente
relato talvez por se tratar de animal de pequeno porte. Slatter (2007), relata
que estes tipos de falha têm especial importância em cães de raças grandes.
Os objetivos do tratamento com
Haste Intramedular Bloqueada, relatados por McCclure et. al. (1998), Palmer
(1999), Larin (2001), Lopez et. al. (2001), Duhautois (2003) e Horstman et. al.
(2004), de eliminar a dor,
estabilizar o foco de fratura, evitar atrofia significativa dos grupos
musculares e prover retorno precoce da função foram alcançados no animal do
presente relato.
Apesar de Fossum (2008) relatar
que a reabilitação física estimula o uso controlado do membro e otimiza sua
função após a cicatrização da fratura e o cirurgião ter recomendado a mesma, o
animal não realizou nenhum tipo de reabilitação física, entretanto apresentou
bom retorno da função aos sete dias de pós-operatório.